segunda-feira, 17 de novembro de 2008

A Justiça ameaçada

Atentados contra advogados, juízes e promotores colocam entidades de classe e ONGs em alerta

PROTEÇÃO O advogado João Tancredo teve o carro atingido por tiros e hoje só anda com seguranças

Principais aliados dos cidadãos brasileiros na luta por seus direitos, integrantes do Poder Judiciário estão sob risco. No combate a quadrilhas envolvidas nos mais variados tipos de crimes, alguns advogados, promotores e juízes de todo o País têm recebido ameaças e sofrido atentados com freqüência assustadora. A resposta violenta à ação da Justiça não é fato novo, mas preocupa o agravamento do problema nos últimos tempos. "A situação piorou da segunda metade da década de 90 para cá, com o avanço do crime organizado", avalia o presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), Walter Nunes. Somente nos primeiros meses deste ano, três juízes sofreram atentados e quatro advogados foram assassinados no País por conta das ações em que atuam. As entidades de classe reivindicam maior eficácia na proteção aos profissionais.

"É preciso criar penas mais severas para esse tipo de crime", diz o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Cézar Britto. "Garantir o trabalho do advogado é garantir o Estado de Direito."

VIDA ANORMAL
Três áreas concentram a maior parte das ocorrências. A fronteira, onde há vários processos contra contrabandistas e atacadistas do tráfico de drogas; o Norte, principalmente por causa de ações que envolvem conflitos de terra; e o Sudeste, com facções de traficantes e policiais ligados a criminosos na mira da Justiça. No Rio de Janeiro, o advogado João Tancredo é um dos que sofreram atentado. Sua atuação como presidente do Instituto de Defesa de Direitos Humanos e ex-presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB do Rio o levou a denunciar policiais militares que praticavam violências contra moradores de comunidades carentes. No início do ano ele foi à favela de Vigário Geral, zona norte, ouvir as reclamações de truculência da PM. Quando saía, ao volante de seu Toyota, viu uma motocicleta com dois homens se aproximando. Um deles, de fuzil em punho, disparou quatro tiros. Graças à blindagem, Tancredo não foi atingido. "Eu já vinha recebendo ameaças que citavam inclusive minha família, mas não levava muito em consideração", conta ele. Apesar disso, o caso foi registrado como tentativa de assalto. Atualmente, o advogado paga dois seguranças para garantir sua integridade.

A companhia desses homens mal-encarados a seguir-lhe os passos já é rotina para o juiz federal Odilon de Oliveira, em Mato Grosso do Sul. Nos últimos dois anos ele tirou do crime organizado bens no valor de R$ 4 bilhões, inclusive 85 fazendas. Já julgou processos envolvendo 120 dos maiores traficantes do País, entre eles Fernandinho Beira-Mar e Juan Carlos Abadía. Desde 2004 ele e sua família vivem 24 horas vigiados por quatro policiais federais. "Tenho 59 anos e não acredito que um dia voltarei a ter uma vida normal", lamenta. A escolta não evitou que em 2005 o hotel militar em que Oliveira estava hospedado fosse atacado a tiros e que vários outros planos de atentados fossem elaborados - todos frustrados pela Polícia Federal. "Não sei se um juiz novo, que está iniciando agora a carreira, vai querer se submeter a esses riscos. Essas intimidações podem influenciar suas sentenças."

NA MIRA
Na Região Norte, os principais ameaçados trabalham em processos relativos a questões agrárias. Integrante da Comissão Pastoral da Terra, o frei francês Henri des Roziers é também advogado e sua especialidade são justamente as ações nas quais os pequenos agricultores enfrentam grandes latifundiários. Ele vive na cidade de Xinguara, no Pará, e há 17 anos atua na região. Tem participado como assistente de acusação em processos cujas vítimas são os trabalhadores rurais e sindicalistas. "Isso causa a revolta dos poderosos donos de terras", diz ele. Como conseqüência, começou a receber ameaças e, contra a sua vontade, passou a ter dois policiais como segurança. Para Des Roziers, não é a proteção extra que reduz as tentativas de intimidação, mas a punição dos criminosos. "Nos processos em que atuei, houve cerca de 500 acusados. Não passam de 15 os que foram a júri, com apenas cinco condenações", contabiliza o frei. "A impunidade incentiva a ousadia dessas quadrilhas."
Fonte: Revista Isto É

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