Vivemos a era do Seviracionismo
Um ônibus, três amigas ex-colegas de faculdade e um destino: I Encontro de Professores de Jornalismo, ali, em Salvador, que aconteceu nos dias 28 e 29 de novembro último..
Depois de contatos telefônicos preliminares, nosso reencontro aconteceu rapidamente na rodoviária. No ônibus, quantos assuntos em pauta! Política, lazer, saúde, colegas...foram alguns deles.
Ajoelhada na poltrona da frente – já que não comporta três pessoas no mesmo espaço - eu tagarelava feito louca com a “ menina” Conceição e Beta, também jornalistas, que estavam nas poltronas atrás de mim. Assim, seguimos para o Encontro.
O percurso sequer fora notado tamanho a quantidade de assuntos. Não sei se os demais passageiros conseguiram assistir ao filme que passava na TV ou se conseguiram dormir tamanho nosso entusiasmado bate-papo.
Chegamos. De táxi seguimos para o local indicado. Nossas ex-professoras Marly Caldas e Andréa Souza lá estavam desde o dia anterior. Cheguei acreditando que, como a Bahia possui 17 cursos de Jornalismo, destes 12 situados em Salvador, esta seria uma ótima oportunidade e implicaria na organização dos professores do curso para discutir problemas que lhes são comuns. Não foi isto que testemunhei naquele auditório praticamente vazio. Excelentes temas voltados para o Jornalismo do Século XXI foram debatidos em mesas redondas para um público não maior que trinta pessoas.
Lá fora o mar esculpia um dos cenários mais lindos de Salvador. Cá no auditório, nós três fizemos uma pausa nos assuntos que insistiam em não se esgotar e atentamente ouvíamos o economista e professor da UFBA, Paulo Henrique de Almeida que abriu os trabalhos com o tema A Expansão do Ensino Superior, Concentração e Internacionalização nas IES Privadas. Em a sua contextualização Paulo citou o termo “ seviracionismo”, que segundo ele, seria um bem humorado substituto do termo em moda atual, o empreendedorismo. Traduzindo rapidamente é o “saia por aí e se vire”.
Enquanto ele falava, falava, minha mente se desconectava daquele ambiente e vagava pelo que vi lá fora. Pensava nas dezenas de pessoas abordando os turistas com as famosas fitinhas de Sr.do Bonfim, tirando fotos pensando em gorjetas, nas artesãs, baianas de acarajé, flanelinhas, vendedores de picolé e em muitos outros adeptos do “seviracionismo” baiano.
Enquanto o renomado jornalista Marcos Palácios falava em sociedade de digitalização da informação, em transformações tecnológicas, eu ficava pensando em qual sociedade vive, quais as informações e por quais transformações passavam aqueles mendigos que encontramos aos montes tanto na conhecida Praça da Sé quanto nas famosas e propagadas ruas do Pelourinho.
Enquanto Ricardo Mendes, o atual diretor executivo do Jornal A Tarde, citava alguns conselhos para entendermos melhor as mudanças no jornalismo do século XXI, eu tentava entender o porquê ao longo dos anos, mesmo depois de tanta evolução tecnológica, social, cultural e de valores, os mendigos não passam a fazer parte de um passado distante. Num dos trechos do seu discurso que tive o cuidado em anotar, Ricardo diz “O estado natural das coisas é a mudança”. Lá fora, não era isto que se via.
No intervalo, uma mulher que já não contava com todos seus dentes, usando uma blusa curta que deixava à mostra uma barriga não invejável, nos abordou na Praça da Sé com a desculpa de doar uma daquelas fitinhas. Segundo ela, fita “benta”. Após a primeira abordagem e instruída em cursos que depois confessou ter feito, conseguiu vender um colar por um preço quatro ou cinco vezes mais caro, mas com diferencial de muito papo, uma embalagem em papel de presente e a companhia de um pequeno cartão, “Pago o preço da iniciativa, da determinação e do diferencial”, enfatizou Conceição após nossos protestos pelo preço que consideramos alto demais.
Pensei logo ser este um belo exemplo do profissionalismo no “seviracionismo”.
À tarde, já sem as prós Marly e Andréa, o evento transcorreu com nova mesa redonda formada por professores, mestres e doutores pontuando sobre temas igualmente interessantes, apresentando exemplos bem sucedidos de práticas online aplicadas nas faculdades onde lecionam. Lá embaixo, o sol pouco brilhava numa Salvador dantes mais bonita, onde hoje ostenta seus monumentos, a exemplo da fonte luminosa localizada em frente ao Elevador Lacerda, (desculpem, não lembro o nome), sem seus jatos d`água, dando visibilidade ao limo que por ora abriga insetos.
Cá no auditório, enquanto se fala em unificar, “quebrar as paredes” entre os segmentos jornalísticos, perto dali o Elevador Lacerda serve de vizinho a dezenas de casarões centenários, literalmente com as paredes quebradas, muitos sem teto, num descaso visível à história da Bahia. Mesmo assim, foram captados pela inseparável máquina fotográfica da “menina” Conceição e registraram nossas fotos naquele dia.
De volta à rodoviária, os assuntos se multiplicaram. Mais uma vez no ônibus , não conseguimos deixar nossos vizinhos dormirem ou assistir ao filme, mesmo debaixo de muito relâmpago que clareava toda a paisagem que passava e que nos dividia entre Salvador e Feira de Santana.
Lá em Salvador, não sei se o monumento transbordou com as chuvas que caíram, se a vendedora de poucos dentes vendeu todos seus colares ou se os mendigos acharam algum lugar para se abrigar. Com certeza souberam aplicar o que não ensinam nas faculdades: o “seviracionismo”
Resta-nos agora, aqui ou em qualquer lugar, deixar o discurso de lado e tentar fazer nossa parte em busca de maiores transformações no Século XXI - já que isto se tenta ensinar em faculdades de todo o mundo.
2 comentários:
Obrigado pela companhia agradável e parabéns pelo texto bem elaborado e narrado de uma forma criativa que você sabe fazer muito bem. Te conheço e sei do seu talento! Abraços
É amiga, mais uma vez você teve razão quando disse do auditório vazio...não sei se poderíamos dizer que a "classe(jornalista) não é nada unida"rsrsr.Mas nós estivemos lá e foi gratificante e divertido.
Que venham outros....
Bjs!!
Roberta Coutinho
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