*Caroline Santana Machado
Certa vez um amigo, jornalista por convicção, falava sobre a desnecessidade de um diploma para exercer o jornalismo. Dizia ele, comparando o jornalismo à medicina, que esta, ao contrário daquela, lida diretamente com a vida e por isso exige formação técnica. Gostaria que ele me respondesse com o que o jornalismo lida, senão com a vida do cidadão, de um ponto de vista subjetivo? De tão poderosa, nossa profissão pode acabar com a vida social de uma pessoa. E não há errata que dê jeito nisso.
Mas já que o forte são as comparações, vamos a elas. O Ministro Gilmar Mendes foi infeliz em comparar o jornalista a um chefe de cozinha. Com todo respeito a esse profissional, o cozinheiro não forma opiniões. Suas idéias não são compradas, levadas para casa e reproduzidas por aí.
O Ministro Cezar Peluso desvirtuou a discussão. Afirmou que “o curso de jornalismo não garante a eliminação das distorções e danos decorrentes do mau exercício da profissão, que são atribuídos a deficiências de caráter, a deficiências de retidão, a deficiências éticas”. Genial! Mas nossa discussão não perpassa esse mérito. As faculdades de Direito, por exemplo, formam profissionais que decidem, entre outras questões, pela privação (ou não) da liberdade um infrator. Quantos advogados são inescrupulosos e aproveitadores? Caráter de fato não se aprende na faculdade. O bom caráter é nato. Nem por isso o diploma dos advogados foi extinto. Nenhum defensor do diploma pra jornalismo acredita que é a faculdade a mentora exclusiva da ética, da moral e da responsabilidade com a vida do próximo.
A nossa luta é em defesa da regulamentação de uma das mais importantes profissões do mundo, que no Brasil, agora, tem sua informalidade coroada pela Corte Suprema do País. Este passo significa um retrocesso numa luta histórica. Contrasenso num mercado de trabalho que está cada vez mais exigente. Hoje em dia, profissionais de inúmeras áreas, além da graduação, buscam infinitas especializações. E até uma segunda, uma terceira graduação. Mas para ser jornalista, tanto faz. Pouco importa.
Se você é um analfabeto funcional, você também pode. Afinal, o Ministro Gilmar Mendes afirmou que exigir diploma é agredir a liberdade de expressão. De quem? Dos oligopólios da comunicação? Dos donos do poder? Dos controladores da informação?
A graduação não fere a liberdade de expressão. Pelo contrário. Defende este direito tão precioso e tão preciso. Obriga que um profissional seja preparado para lidar com essa liberdade. E conheça a teoria que deve gerar a prática. E aprenda a refletir muito do mais do que a escrever. A partir do momento em que surge uma faculdade para uma determinada profissão isto é admitir que se deve passar pela academia para chegar ao exercício profissional. Numa nação como a nossa, em que a educação é o antídoto para todos os problemas sociais, presenciamos oito ministros tomarem uma decisão que deve preterir a educação superior no jornalismo. E o pior, baseando-se em defesas superficiais e equivocadas de argumentos inócuos e claramente parciais, que não refletem as necessidades da classe e tampouco a opinião da maior parte dos brasileiros. Isto por que eles são os mais preparados do país para ocuparem seus cargos. Pelo menos em tese.
O ministro Ayres Britto afirmou que “ela (a profissão) se disponibiliza para os vocacionados, para os que tem intimidade com a palavra”. Se o dom fosse condição suficiente para o exercício de uma profissão, as faculdades seriam todas dispensáveis. A técnica é desnecessária? De que ponto de vista? Isso não se converte em riscos para a população? Não abre precedentes para profissionais desqualificados e amadores
A imposição desta decisão e a descrença que ela pode nos causar não deve sotopor o nosso manifesto. Exerço aqui o meu direito à sagrada liberdade de expressão e a minha obrigação de posicionar-me diante de incoerências. O dever precípuo do jornalista é lutar por aquilo em que acredita. Mesmo que acredite naquilo sozinho.
*Carol Machado é jornalista diplomada e repórter da TV Geral.
domingo, 21 de junho de 2009
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