sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Dois anos sem Chico Pinto

Um homem de coragem


Por Joseana Almeida*

Um revolucionário! Um homem corajoso! Era desta forma que o povo de Feira de Santana se referia ao conterrâneo José Francisco Pinto dos Santos, conhecido popularmente como Chico Pinto. Ainda jovem e “cheio de esperança”, o ex - prefeito Francisco Pinto procurou conciliar a busca do conhecimento com a participação ativa em prol da cidadania. Iniciou a vida pública elegendo-se vereador, exerceu a advocacia, foi prefeito e deputado federal. Tornou-se um político respeitado pela linha pragmática que defendia e foi justamente esta consonância de valores que o colocou próximo do povo.
Participou dos movimentos sociais para fazer do seu país uma democracia. Lutou de forma contumaz contra a Revolução de 1964, idealizava um país igualitário, livre, onde prevalecessem os direitos humanos e um governo em que o povo tivesse uma participação direta. Em contrapartida sentiu a dor da tortura, vivenciou a violência, a repressão e a censura, mas nada o intimidou nem o fez desviá-lo de seus propósitos. Nada abalou sua coragem, calou sua voz, nem o debate de suas idéias. Parecia refletir os desejos do povo, por isso acreditava que a participação popular dinamizava o processo democrático.
A arte de ouvir e a serenidade faziam parte do seu cotidiano. Nesta ambiência, ouvir a população era uma necessidade, o sustentáculo que enriquecia o espírito político e humanístico de Chico Pinto. O que ouvia dava consistência aos seus objetivos, e do ponto de vista de sua sabedoria declarava: “Quanto mais povo, mais democracia, mais solidez, porque o povo é criativo”. Sua missão não se limitou a interesses pessoais, mas a uma luta árdua, vigorosa, com tenacidade pela igualdade e justiça social. Em discursos contundentes evidenciava o inconformismo dos cidadãos, a defesa da liberdade de imprensa e o pleno direito de expressão.
Era um defensor ardiloso da transparência e honradez. Ético, articulador firme nas suas posições, todavia não era de se retratar, nem se curvar aos “poderosos”. Vale lembrar neste contexto, um fato “sui generis”: preso no governo do Ge. Geisel por se declarar contra a visita de Augusto Pinochet ao Brasil, ao receber o indulto natalino, expressou-se destemido: Rogo a Vossa Excelência que me livre de mais este constrangimento - o de um perdão que não solicitei, por crime que não pratiquei e de cujo fato gerador não me arrependo e nem tenho porque me arrepender”.
Tinha consciência do papel que representava para o cidadão comum, para a coletividade, por isto não fraquejava. Sua trajetória política foi conduzida por uma força que impulsiona os direitos humanos, a liberdade de expressão. Mesmo cerceada, ele jamais deixou de manifestar sua luta pela liberdade, democracia e justiça. E nos lembra: “Ontem, como hoje, e como sempre, minha voz há de levantar-se para traduzir o sentimento do povo brasileiro, que não é, nem pode ser o da conivência silenciosa com aqueles que representam a negação dos valores das liberdades democráticas e da dignidade do homem, que são os grandes valores humanísticos de nossa civilização”.
Foi um guerreiro! Enfrentou e venceu desafios, mesmo tendo noção da crise que afetava a Nação e do risco que corria, se manteve firme ao seu ideário. E de forma perspicaz explicitava: “Meus compromissos essenciais na prática da vida política, dos quais espero não me apartar nunca, dizem respeito à liberdade e à justiça social”. Um revolucionário que transcendeu das suas potencialidades exigindo liberdade e justiça, estabelecendo parâmetros.
Tinha uma visão estratégica e integral da realidade, por isto se preocupava em como construir soluções para o futuro acrescentando: “Prefiro optar, agora, por uma nova participação na atividade política, que vai exigir mais sacrifícios para sustentar os mesmos ideais e que, jamais, poderá ser interpretada como oportunismo eleitoral”. E foi mais além: “O que pretendo mesmo e o de que gosto é de cantar a esperança, a fé na liberdade do dia de amanhã, para todos os povos”.
Por tudo que Chico Pinto já tinha passado não se considerava um apóstolo da desesperança. Sabia das imensas dificuldades ressaltando: “São elas que me fortalecem o ânimo. As traições explícitas ou camufladas de que fui vítima, praticadas por alguns arrogantes detentores do poder, não me afastarão dos caminhos de lealdade ao Povo e a Nação. Muitos não me entenderão. Mas a consciência histórica me fez assim”.
Chico Pinto partiu! Partiu sereno, com a certeza do dever cumprido, deixando-nos saudades pela certeza de ter ido embora para sempre. Mas nos deixa como ensinamento as virtudes, os valores, a coragem destemida, o respeito a coisa pública, a luta pelas causas sociais. E o que é mais importante: o valor da liberdade e da dignidade humana gravados em nossa memória.


*Joseana Almeida é Jornalista.

Nota do Blog: Chico Pinto foi advogado, jornalista, ex-deputado federal e ex-prefeito de Feira de Santana. Começou sua vida política em Feira na década de 50 ao ser eleito vereador. Em 1963 foi eleito prefeito pelo PSD e em 1964 foi deposto e preso pelo regime militar por não concordar com suas idéias. Atuou entre a década de 70 e final de 80 cumprindo quatro mandatos de deputado federal, o último como integrante da Assembléia Nacional Constituinte, reconhecido como um lutador incansável contra a ditadura. Foi um dos fundadores do chamado "grupo autêntico" do MDB (Movimento Democrático Brasileiro), o mais combativo núcleo parlamentar de oposição ao regime militar na década de 70. Dentre outros feitos, Chico Pinto é lembrado pela audácia de discursar no Congresso Nacional, em 28 de março de 1974, contra a presença do ditador chileno Augusto Pinochet no Brasil, tachando-o de assassino e fascista. Este feito lhe custou seis meses de prisão e a perda do mandato. Voltou à Câmara em 1979 atuando no Parlamento até se afastar por problemas de saúde.

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